O Brasil se parece menos como uma federação e mais como Estado unitário, pois a concentração tributária é bem próxima dos 75% de tudo que se arrecada no país viável.
· Thomas
Korontai
Antes
que os separatistas se sintam ultrajados com a “utopia anunciada”, convido-os a
perceber que a maior aspiração de todos os movimentos de separação política é
igual à aspiração dos federalistas que defendem um “federalismo pleno”:
livrar-se da opressão do governo federal. Reportagem publicada pela Gazeta do
Povo em 22 de agosto demonstra exatamente isso. Esse sentimento se verifica no
seio da população, que já se deu conta de que não faz sentido enviar tantos
recursos para um governo central, distante de todos.
O Brasil se parece menos como uma federação e mais como
Estado unitário, pois a concentração tributária é bem próxima dos 75% de tudo
que se arrecada no país (devolvendo-se cerca de 20% via Fundos de Participação
dos Municípios e dos Estados), deixando estados e cidades à míngua. A
Constituição de 1988 construiu uma “federação quaternária”, incluindo os
municípios e o próprio Distrito Federal como entes federativos. Mas uma
federação de verdade só pode ser dual: estados e governo central. E para ser
plena, os estados federados devem ter grande autonomia legislativa, tributária,
judiciária e administrativa. Se o leitor lembrou dos Estados Unidos, acrescento
que Canadá, Suíça, Alemanha e Austrália também adotam tal modelo.
Uma federação de estados autônomos
deve obedecer ao princípio da subsidiariedade, que aloca corretamente as
atribuições das esferas de governo e dos três poderes respeitando-se as
respectivas autonomias e capacidades – à União, por exemplo, ficam as
exclusivas atribuições de cunho nacional. Mas, no Brasil atual, o único
princípio que prevalece é o da vassalagem estatal do cidadão submetido às três
esferas de governo, empobrecendo-o mais e mais.
Os separatistas propõem a fundação de novos países, mas,
na verdade, o Brasil é que precisa ser refundado
Os separatistas propõem a fundação de
novos países, mas, na verdade, o Brasil é que precisa ser refundado. A razão
vai além da esquizofrenia federativa de quatro níveis. Dentro dela,
desenvolveu-se uma estrutura mastodôntica e corporativista, excessivamente
burocrática, formalista, regulatória, garantida pela Constituição de 1988, cuja
“cidadania” serve apenas aos membros integrantes da casta do setor público. O
setor privado, que é o único que produz, paga essa conta sem ter as
correspondentes contrapartidas nos serviços públicos que espera.
A
corrupção, que se tornou sistêmica, praticamente se institucionalizou. Não
serão “Dez Medidas” e mais e mais controles que a deterão. A causa direta é a
estrutura do Estado brasileiro, que aloca estonteante burocracia em todos os
setores, bem como as regulações que garantem a plutocracia que sustenta
políticos e governantes em incestos constantes, sodomizando o povo com
oligopólios, trustes e cartéis. A estrutura custa cada vez mais, e nem mesmo o
mais perverso e caro sistema tributário do mundo em relação aos produtos
brasileiros – somos os únicos que tributam todas as etapas de todas as cadeias
de produção – consegue dar conta dela. A taxa de investimentos em relação ao
PIB vem caindo ano após ano. Não há infraestrutura para atender qualquer taxa
de crescimento acima de 2% ao ano, pois os oligopólios simplesmente impedem a
livre construção de aeroportos, a criação de companhias de aviação regionais,
ferrovias, rodovias, navegação de cabotagem, hidrovias. O ambiente para se
fazer negócios é um dos piores do planeta; a educação produz “alfabetizados
analfabetos” funcionais, enquanto a saúde e a (in)segurança pública competem
nas estatísticas de mortes. Sem contar com as dezenas de milhares de pessoas
indo embora do Brasil, ou de empresas se instalando no vizinho Paraguai. Não é
à toa que haja sentimentos de separação.
Considerando que a atual
Constituição tem apenas um terço dela regulamentado, gerando um incrível cipoal
de 5,4 milhões de normas legislativas (segundo o IBPT), não resta dúvida de que
o Brasil precisa mesmo ser refundado por meio de uma substituição da atual
Constituição por uma nova matriz constitucional. Os federalistas têm uma
proposta nesse sentido, um ensaio de princípios, tal como a Constituição dos
Estados Unidos, mas perfeitamente adequada à realidade brasileira, com 87
artigos e 19 disposições transitórias, um texto em discussão aberta e livre com
a sociedade.
Nossas convicções:
Fortalecimento do modelo federativo
O desenho de um novo federalismo,
pleno, para o país determina a impossibilidade de concentração dos poderes e
tributos, além da reorganização estrutural em todos os sentidos. As cidades,
por exemplo, poderão rever toda a sua estrutura de gestão política e
administrativa, incluindo a substituição de vereadores pagos por conselheiros
não remunerados. E, por que não?, prefeitos eleitos sem partidos ou
simplesmente contratados como administradores urbanos nas cidades com menos de
50 mil habitantes? Os Estados Unidos têm mais de 30 mil cidades e aldeias
autônomas em um ambiente federativo pleno. Não há justificativa que impeça tal
prática por aqui.
Os estados passarão a ser
competidores entre si, e também terão de rever suas estruturas. O federalismo
pleno, dual, tem viabilidade política e se alinha com o inato sentido de
autonomia local, cabendo a cada parte as devidas atribuições subsidiárias, sem
invasão de atribuições mútuas. Nada disso contraria cláusulas pétreas da atual
Constituição.
Utopias nos mantêm ocupados, sem
resultados práticos, mas a viabilidade de um grande projeto de reestruturação
nacional, ainda que enfrente as naturais dificuldades de sua implementação, é o
desafio que pode ser assumido por todo aquele que respeita a si próprio como
indivíduo autônomo e livre.
Thomas Korontai é empresário e fundador-presidente do
Movimento Federalista.